Wednesday, February 08, 2006

Australopitecos versus Australopolitecos

“Estamos a desenvolver os esforços adequados” é uma das frases mais bonitas que se pode ouvir da boca de um político. Bonita e completa. Não deixa nenhuma palavra ao calhas. Não tem qualquer “mas”. Não dá aso a dúvidas. Enfim, é perfeita!
O “Estamos”: O “estamos” envolve todos não comprometendo ninguém. Está na frase para que no final não seja possível imputar responsabilidades ao político que a profere. Para além disso, o “estamos” deixa-nos confortados e descansados. Alguém está e é mais do que uma entidade sozinha. “Estamos” é o Estado, é a sociedade, é quem de direito, e não há nada mais reconfortante do que ver “quem de direito” a desenvolver esforços para resolver um problema. O presente do indicativo do “estar” relaxa-nos. Ainda nada está perdido porque existe alguém no plural que ainda está a... “Estamos” tem implícito uma certa omnipresença: “Estamos por toda a parte a desenvolver esforços”.
A palavra “Desenvolver” traz subjacente uma ideia de crescimento, de alargamento. “Estamos a desenvolver” envolve muito mais do que o “estamos a fazer”. Há dinâmica no desenvolver. Fazer é para máquinas ou para pessoas mecanicistas, para quem não consegue criar algo de novo. Desenvolver é para homens, para ultra inteligências. Desenvolver revela a omnisciência do político.
“Os esforços” não aparece na frase por mera razão de concordância sintáctica. Os esforços é mais do que o singular de um simples esforço. É uma enormidade. Dá aos que estão um estado de omnipotência.
“Adequados” fecha em nirvana tão erudita sentença. “Adequados” torna o político deus num homem ajustado a deus. Existe na frase para aproximar o interlocutor do homem-deus que calmamente diz: “Estamos a desenvolver os esforços adequados”. Aproxima mantendo ainda assim a distância mínima necessária a qualquer pequeno deus. “Adequados” é, nem mais nem menos, que a optimização, é a ausência de desperdício. Optimização e ausência de desperdício são buscas humanas. Deus já É óptimo. Os homens procuram o óptimo. É a palavra que coloca o político num patamar muito para além do humanóide: É um homem muito perto de um deus mas sem deixar de ser homem.
A palavra “adequados”, por buscar a optimização, encerra a frase com a transformação da omnipresença num “estar de forma humana por todo o lado”, da omnisciência numa faculdade intelectual humana mas acima dos humanos normais, da omnipotência num vigor, num ânimo, numa valentia que são puras características do super-homem. Assim, a frase, no seu conjunto, é de uma beleza tal que coloca os australopolitecos nos homens mais perto dos deuses. Quem não gostaria de ser um Australopoliteco?
Em toda a minha vida de modestas criações jamais seria capaz, numa frase apenas, de tal construção mas, juro, “estou a desenvolver os esforços adequados!”.

2 Bocas:

Anonymous Anonymous Disse...

Pois, é isso mesmo...
Bem se tu dissecas desta forma uma frase dita por um politico, entao aconselho-te a não leres nada escrito por mim senão vais ter muito que fazer!!!
Tens uma capacidade de expansão e compressão enorme, crias á volta daquilo que escreves diferentes planos o que nos transporta para altitudes diferentes em cada BOCADO teu!
Gostei deste, apesar de não ser sobre um assunto no qual eu "perco" o meu tempo a debater mas o texto em si faz com que uma frase dita por um politico de uma forma tão natural, se revele extremamente complexa e cheia de subjectividade...
Acho que vou começar a prestar mais atenção ao que dizem esses meninos...
Bem , que quererá dizer um politico ao afirmar"O nosso país está em crise"? Em vez de ir ler "A Siciliana" acho que vou ficar a analisar esta frase...
"Em crise"?:..
Ora, do Lat. krísis, pode querer significar a alteração para melhor ou para pior no curso de uma doença(o gajo está doente, então isso quer dizer novas eleições ou que ele tem que ir ao médico e está procupado com as enormes listas d e espera?);ataque, acometimento, acidente(mas o que é que se passa?O Sócrates caiu outra vez?oh pá não acredito que vou ve-lo outra vez de canadianas...);
momento perigoso ou decisivo de um negócio(mas que raio...outra vez a Sonae!);perturbação que altera o curso ordinário das coisas(Oh não, o Benfica está outra vez em alta, lá vem o Pinto da Costa);situação de um governo que encontra dificuldades muito graves em se manter no poder(oh, isto de certeza que não é, porque afinal os nossos políticos são de eficiencia total e nunca na vida nos iriam por numa "situação de crise");luta interior entre dois sentimentos(ser ou não ser corrupto és a questão?); ministerial: espaço de tempo entre a queda de um ministério e a constituição de outro que lhe sucede(bom, decididamente vou me deixar levar pela ataraxia porque assim só acabo a minha reflexão no dia em que o mundo já não estiver "em crise").


Deixa lá, eu de vez em quando tenho umas "crises" de Eliasismo se é que me entendes?
beijos e continua a entreter-me com aquilo que escreves porque hoje em dia já é dificil eu me divertir a ler algo e tu consegues fazer com que eu o faça.

É verdade, tu sabes quem eu sou...

11:17 PM  
Blogger Temp Disse...

Ora aqui está um bom ponto de vista...

Não sei não... Só conheço pessoas anónimas que assinam.
Só pela Siciliana não consigo chegar lá ;-)

12:21 PM  

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